Quais são as possíveis complicações da cirurgia para Síndrome do Túnel do Carpo?

Leonardo Kurebayashi • May 10, 2023

O que é a síndrome do túnel do carpo?

Trata-se da síndrome compressiva periférica de membro superior mais prevalente (Green's 8th ed), afetando de 4,9 a 7,1% da população. Foi inicialmente relatada em 1854, sendo a primeira descrição de liberação cirúrgica do ligamento carpal transverso em 1933, por Learmonth (Karl et al., 2016).


Os sintomas da síndrome do túnel do carpo incluem parestesia e/ou dormência no território do nervo mediano (polegar, indicador, dedo médio e borda radial do anular), sendo a exacerbação dos sintomas no período noturno considerada quase patognomônica para a doença.


Leia mais sobre Síndrome do Túnel do Carpo.

A cirurgia para descompressão do túnel do carpo possui altos índices de sucesso (80 a 90%). Entretanto, isso significa que 10 a 20% dos pacientes operados poderão apresentar falhas no tratamento cirúrgico. 


A habilidade de avaliar competentemente e manejar tais complicações são essenciais para o cirurgião de mão. Eis uma divisão arbitrária para facilitar a linha de raciocínio e manejo adequado dessa condição:


Possíveis complicações

  1. Diagnóstico incorreto
  2. Manejo não operatório inadequado
  3. Complicações cirúrgicas (técnica aberta ou endoscópica)


1. Diagnóstico incorreto

Uma afirmação de impacto publicada num artigo da Neurosurgical Focus  (Henkin et al., 1997) alega que, apesar da maior parte dos artigos afirmarem que a principal complicação cirúrgica é a liberação incompleta do ligamento carpal transverso, o erro mais prevalente no manejo da Síndrome do Túnel do Carpo seria o diagnóstico errado.


Para o diagnóstico preciso, o cirurgião de mão deve considerar a história detalhada do paciente e realizar um exame físico completo de membro superior e coluna cervical. Além disso, exames complementares podem se mostrar úteis no estadiamento da doença e nos diagnósticos diferenciais.


O exame físico pode incluir diversos testes: Phalen, Tinel, Durkan, avaliação de sensibilidade com monofilamentos de Semmes-Weinstein, "
Scratch Collapse Test" (descrito por Susan Mackinnon em 2008), além da análise da musculatura intrínseca da mão em busca de atrofia de musculatura intrínseca da mão. É de fundamental importância a análise isolada dos músculos Flexor Longo do Polegar, Flexor Profundo do 2° dedo e Flexor Radial do Carpo, em busca de uma possível "Síndrome Lacertus"*, que causa sintomas muito similares ao da Síndrome do Túnel do Carpo. 


Quanto aos exames complementares, a eletroneuromiografia tem se mostrado muito eficaz no diagnóstico, quantificando a gravidade da doença, excluindo outros diagnósticos e fornecendo uma referência inicial para o cirurgião e o paciente. Entretanto, como qualquer outro exame, existem taxas de resultados falsos negativos (8 a 13%) e falsos positivos 6% (Nathan
et al., 1988). Por esse motivo, acredito que o diagnóstico será mais acertado quando o cirurgião de mão cruzar inúmeras informações do paciente e não decidir a conduta baseada somente no resultado de um único exame.


Existem outras condições que sabidamente interferem na função neural, seja através de efeito compressivo, seja através da alteração da função neural:


  1. Doenças que aumentam a espessura da sinóvia, como artrite reumatóide, gota, depósito amilóide ou tuberculose;
  2. A acromegalia pode levar a um espessamento do ligamento carpal transverso;
  3. Condições como a gestação, hipotireoidismo e insuficiência cardíaca congestiva podem levar a um aumento de edema e retenção de líquido, aumentando a chance de desenvolver a condição;
  4. Neuropatias periféricas relacionadas ao Diabetes Mellitus, insuficiência renal crônica ou alcoolismo podem mimetizar os sintomas de síndrome do túnel do carpo;
  5. Neuropatias proximais como a Síndrome do Desfiladeiro Torácico, Síndrome de Parsonage-Turner, compressão do nervo mediano proximal (Síndrome Lacertus) ou hérnias de discos cervicais podem coexistir com a síndrome do túnel do carpo, exacerbando os sintomas através de um conceito introduzido por Upton e McComas (1973) denominado "Double-crush Syndrome", que seria a compressão de um mesmo nervo em dois locais diferentes, simultaneamente.


Síndrome Lacertus

A Dra Elisabet Hagert é uma referência no diagnóstico e tratamento dessa condição. Ela define a Síndrome Lacertus como "uma síndrome do túnel do carpo, porém no cotovelo". Na primeira, o nervo mediano é comprimido pelo ligamento carpal transverso, já na segunda, uma estrutura chamada "Lacertus fibrosus", uma banda fibrosa oriunda do tendão do bíceps, é a responsável pela compressão do nervo mediano no nível do cotovelo (Hagert et al., 2023)


A Síndrome Lacertus consiste em uma compressão dinâmica do nervo mediano na qual não há lesão axonal mas sim alteração no fluxo axoplasmático sendo, por isso, considerada uma Sunderland "Zero" (Mackinnon et al., 2019). Por ser uma compressão dinâmica, os exames eletroneuromiográficos podem ter especificidade extremamente baixa (em torno de 30%). Por outro lado, um estudo publicado por Jepsen et al. (2018), mostrou sensibilidade/especificidade de 88-93% para o algoritmo de testes muscular (ou seja, um exame físico direcionado e feito por um profissional capacitado em diagnosticar essa condição), reforçando o conceito de que o cirurgião e o(a) paciente não devem se basear somente em um único achado para decidir o melhor plano de tratamento.


2. Manejo não operatório inadequado

O manejo da Síndrome do Túnel do Carpo depende da gravidade da mesma. Em casos leves a moderados, o tratamento conservador deve ser encorajado, podendo levar a uma alta taxa de sucesso. Em uma revisão de literatura publicada em 2020, Genova et al. detalharam as principais formas de manejo não cirúrgico. Nesse estudo, foram mencionados: 


  • Uso de órtese
  • Corticosteróides
  • Fisioterapia / terapia ocupacional
  • Yoga 


Em uma meta-análise publicada por Dong
et al. (2023), foi demonstrado que a Acupuntura, quando realizada de modo adjuvante às demais modalidades de tratamento conservador, pode reduzir a gravidade dos sintomas e a intensidade da dor, além de melhorar o status funcional do paciente e os parâmetros eletrofisiológicos. A revisão sistemática envolveu 16 estudos e um total de 1.025 pacientes.

Em minha visão, o manejo não cirúrgico inadequado pode incluir:


  • Órtese não adequada (considerar que as órteses pré-moldadas costumam deixar o punho em posição funcional, com 30° de extensão. O ideal seria o uso de uma órtese com punho em posição neutra, dado que tanto a flexão quanto a extensão forçada do punho, podem aumentar de 8 a 10x a pressão dentro do Túnel do Carpo);
  • Não adesão ao tratamento, seja com relação às sessões de fisioterapia / terapia ocupacional, seja devido ao uso indevido da órtese;
  • Reabilitação realizada por um profissional não habituado ao manejo dessa condição, que pode incluir em suas sessões: mobilização de ossos do carpo, utilização de eletroterapia como ultrassonografia e laser, além de exercícios de deslizamento neural ("Nerve glide exercises");
  • Controle inadequado das comorbidades como obesidade, diabete, hipotireoidismo, insuficiência cardíaca e doenças de depósito. Outros fatores que também podem agravar a condição são: exposição prolongada a equipamentos com vibração durante o trabalho, posturas excessivas de flexão ou extensão do punho e alcoolismo.


3.  Complicações cirúrgicas

Em termos gerais, a cirurgia para o tratamento da Síndrome do Túnel do Carpo envolve o corte de uma estrutura que pressiona o nervo mediano, no punho. Essa estrutura se chama Ligamento Carpal Transverso. Após a liberação de tal estrutura, é criado um espaço extra para os tendões flexores e o nervo mediano que passam no interior do túnel do carpo, geralmente levando ao alívio da dor/parestesia e melhorando a função do punho e mão envolvidos (Genova et al., 2020).


Entenda um pouco mais sobre as diferenças entre as técnicas assistindo ao vídeo abaixo:

O vídeo apresenta duas técnicas para descompressão do túnel do carpo, a via aberta e a endoscópica. Edição de imagens utilizando como banco de dados o site da hopkinsmedicine.org e arthrex.com

Sobre a cirurgia aberta (não endoscópica), as principais complicações descritas na literatura incluem: 


  1. Liberação incompleta do ligamento carpal transverso (complicação mais comumente descrita na literatura)
  2. Lesão de ramos distais do nervo mediano ou do ramo cutâneo palmar do nervo mediano, com formação de neuroma doloroso 
  3. Lesão do feixe neurovascular ulnar (ambas complicações comumente ocorrem quando o planejamento da incisão não foi adequado)
  4. Cicatriz hipertrófica (geralmente quando a incisão atravessa a prega palmar em um ângulo desfavorável)
  5. Lesão de nervos digitais
  6. Lesão do arco palmar superficial
  7. Lesão dos tendões flexores (tais complicações costumam ocorrer quando o ligamento carpal transverso é seccionado às escuras, sem sua completa visualização / identificação)
  8. Hipersensibilidade e dor 
  9. Distrofia simpático reflexa (deve ser reconhecida precocemente para o seu tratamento ser iniciado quanto antes)
  10. Infecção da ferida operatória (condição incomum. Geralmente ocorre em pacientes com fatores de risco: administração de corticosteroides recente ou no intraoperatório, tempo cirúrgico prolongado, utilização de dreno cirúrgico, paciente com diabete mellitus não controlado);
  11. Perda de força de preensão palmar (descrita em até ⅓ dos pacientes)


Sobre a técnica endoscópica, as principais complicações descritas na literatura incluem: 

  1. Liberação incompleta do ligamento carpal transverso (complicação mais comumente descrita, em ambas as técnicas)
  2. Neuropraxia de nervo ulnar
  3. Sensibilidade persistente na incisão cirúrgica
  4. Contusão de nervo digital
  5. Hematoma sob a ferida operatória
  6. Lesão de arco palmar superficial
  7. Lesão de tendão flexor
  8. Liberação indevida do canal de Guyon
  9. Laceração do nervo mediano ou ulnar (completa ou incompleta)


Há uma grande discussão sobre as diferenças entre as técnicas, sendo as principais preocupações pragmáticas relacionadas à técnica endoscópica as seguintes: (a) dificuldade técnica, (b) custo benefício, (c) tempo cirúrgico e (d) riscos de lesões iatrogênicas. Diversos estudos já foram realizados comparando as técnicas. Em 2014, Sayegh
et al. realizaram uma meta-análise envolvendo 22 estudos randomizados e um total de 1.859 pacientes para analisar os resultados cirúrgicos e comparar a técnica aberta e a endoscópica. O estudo evidenciou que a técnica endoscópica permite um retorno precoce às funções e maior recuperação de força de preensão palmar ("Grip strength") no período pós operatório. Entretanto, os resultados com 6 meses ou mais se mostraram similares, sendo que os pacientes submetidos à técnica endoscópica apresentaram maior risco de lesão neural (sendo a maioria neuropraxias) e menor risco de sensibilidade na cicatriz comparada com a técnica aberta. 


Concordo com a colocação de Philip Henkin e Allan H. Friedman, da Universidade de Duke / Carolina do Norte: "
Most endoscopic surgeons agree that if the transverse striations of the Transverse Carpal Ligament cannot be visualized along its entire length, the endoscopic procedure should be converted to an open one". Acredito que o cirurgião deve estar capacitado a realizar ambas as técnicas, indicando a conversão da cirurgia endoscópica para aberta se assim julgar necessário. 



Conclusão

A Síndrome do Túnel do Carpo é multifatorial. É de fundamental importância identificar os possíveis fatores de confusão tanto no diagnóstico quanto nos casos já operados.  O paciente deve ser avaliado individualmente e a forma de tratamento será ajustada de forma personalizada. Se o diagnóstico foi incorreto, a cirurgia de revisão não necessariamente trará benefícios para o paciente. Se houver alguma complicação intra operatória, o cirurgião deve estar capacitado para resolvê-la no mesmo tempo cirúrgico. Se houver alguma complicação identificada tardiamente, a cirurgia de revisão da Síndrome do Túnel do Carpo pode ser indicada, especialmente se os sintomas não melhorarem e houver degradação funcional. As cirurgias de revisão incluem a exploração do nervo mediano e seus ramos, liberação de tecido fibrosado e uso de enxerto de tecido local ou livre. 


Consulte seu especialista de cirurgia de mão para o diagnóstico preciso e conduta acertada.


Referências bibliográficas:

  1. Wolfe SW, Hotchkiss RN, Pederson WC, Kozin SH, Cohen MS, Green's Operative Hand Surgery, 8th ed. Elsevier, 2022
  2. Karl JW, Gancarczyk SM, Strauch RJ. Complications of Carpal Tunnel Release. Orthop Clin North Am. 2016 Apr;47(2):425-33.
  3. Henkin P, Friedman AH. Complications in the treatment of carpal tunnel syndrome. Neurosurg Focus. 1997 Jul 15;3(1):e10.
  4. Nathan PA, Meadows KD, Doyle LS. Relationship of age and sex to sensory conduction of the median nerve at the carpal tunnel and association of slowed conduction with symptoms. Muscle Nerve. 1988 Nov;11(11):1149-53.
  5. Hagert E, Jedeskog U, Hagert CG, Marín Fermín T. Lacertus syndrome: a ten year analysis of two hundred and seventy five minimally invasive surgical decompressions of median nerve entrapment at the elbow. Int Orthop. 2023 Apr;47(4):1005-1011.
  6. Genova A, Dix O, Saefan A, Thakur M, Hassan A. Carpal Tunnel Syndrome: A Review of Literature. Cureus. 2020 Mar 19;12(3):e7333.
  7. Dong Q, Li X, Yuan P, Chen G, Li J, Deng J, Wu F, Yang Y, Fu H, Jin R. Acupuncture for carpal tunnel syndrome: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Front Neurosci. 2023 Feb 23;17:1097455.
  8. www.hopkinsmedicne.org
  9. www.arthrex.com 


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